Gerundismo…

Gerundismo: que bicho é esse?

             É muito difícil encontrar alguém que ainda não tenha sido brindado com algumas pérolas ditas principalmente pelos operadores de telemarketing, como “eu vou estar transferindo a ligação” ou “vamos estar verificando sua situação”.

         Ninguém sabe ao certo quando e por que começou a se propagar essa forma equivocada do uso do gerúndio, denominado como “gerundismo”. A teoria mais provável é que o problema tenha origem na tradução literal do gerúndio do inglês, que nem sempre equivale ao do português.

         A tradução literal da estrutura do inglês “will be + gerúndio” pode ter iniciado a propagação da construção em português(“vou estar mandando”). Acredita-se ainda que, quando os serviços de telemarketing começaram a se instalar nas empresas brasileiras, os manuais de treinamento tenham sido traduzidos erroneamente, o que explicaria a proliferação do gerundismo nesse meio.

         O fato é que, seja qual for a origem, as frases contaminadas com o tal do “gerundismo” estão causando muita confusão e mal-estar. Curiosamente, os inadequados gerúndios são usados com mais frequência por profissionais que trabalham em serviços de atendimento ao cliente ou em centrais de relacionamento de empresas. As frases, de aparente polidez, diluem o compromisso com a informação. Ao ouvir um “vamos estar resolvendo o seu problema”, a pessoa fica sem saber quem vai solucionar a questão, tampouco se vai realmente fazê-lo. Por isso mesmo o gerúndio tem incomodando bastante, já que as frases parecem desprovidas de qualquer compromisso.

         Quem utiliza essa construção pensa estar sendo educado e eficiente, mas, ao mesmo tempo, acaba passando a imagem de descompromisso com prazos, pois o gerúndio parece esticar o tempo. Portanto, quando ouvir a frase “vamos estar transferindo sua ligação para o setor competente”, pode se preparar, pois vai passar um bom tempo repetindo sua história para incontáveis atendentes. Veja abaixo a escala de compromissos, segundo o
professor Sírio Possenti.

Gramaticalmente, nenhuma das frases gerundistas requer, de fato, o gerúndio, cuja função, a grosso modo, é apresentar o processo verbal em curso, ou seja, indicar uma ação contínua, inacabada. Recomenda-se substituir o gerúndio dessas frases pelo infinitivo (que exprime a ideia de ação), por exemplo, “vou transmitir o recado ao seu marido” ou “vamos encaminhar o seu caso à nossa gerência”.

        

Gerundismo, o fenômeno

 

         Logo abaixo, segue um artigo do jornalista Ricardo Freire, publicado na coluna “Xongas”, do jornal O Estado de S. Paulo, em 16 de fevereiro de 2001. Ao lê-lo, você vai estar percebendo por que estão querendo exterminar o gerundismo.

         “Aqui vai a última flor do Lácio:

         Este artigo foi feito especialmente para que você possa estar recortando e possa estar deixando discretamente sobre a mesa de alguém que não consiga estar falando sem estar espalhando essa praga terrível da comunicação moderna, o gerundismo. Você pode também estar passando por fax, estar mandando pelo correio ou estar enviando pela Internet.

         O importante é estar garantindo que a pessoa em questão vá estar recebendo esta mensagem, de modo que ela possa estar lendo e, quem sabe, consiga até mesmo estar se dando conta da maneira como tudo o que ela costuma estar falando deve estar soando nos ouvidos de quem precisa estar escutando.

         Sinta-se livre para estar fazendo tantas cópias quantas você vá estar achando necessárias, de modo a estar atingindo o maior número de pessoas infectadas por esta epidemia de transmissão oral.

         Mais do que estar repreendendo ou estar caçoando, o objetivo deste movimento é estar fazendo com que esteja caindo a ficha das pessoas que costumam estar falando desse jeito sem estar percebendo.

         Nós temos que estar nos unindo para estar mostrando a nossos interlocutores que, sim, pode estar existindo uma maneira de estar aprendendo a estar parando de estar falando desse jeito. Até porque, caso contrário, todos nós vamos estar sendo obrigados a estar emigrando para algum lugar onde não vão estar nos obrigando a estar ouvindo frases assim o dia inteirinho. Sinceramente: nossa paciência está ficando a ponto de estar estourando.

         O próximo “Eu vou estar transferindo a sua ligação” que eu vá estar ouvindo pode estar provocando alguma reação violenta da minha parte. Eu não vou estar me responsabilizando pelos meus atos.

         As pessoas precisam estar entendendo a maneira como esse vício maldito conseguiu estar entrando na linguagem do dia-a-dia.

         Tudo começou a estar acontecendo quando alguém precisou estar traduzindo manuais de atendimento por telemarketing. Daí a estar pensando que “We’ll be sending it tomorrow” possa estar tendo o mesmo significado que “Nós vamos estar mandando isso amanhã” acabou por estar sendo só um passo.

         Pouco a pouco a coisa deixou de estar acontecendo apenas no âmbito dos atendentes de telemarketing para estar ganhando os escritórios. Todo mundo passou a estar marcando reuniões, a estar considerando pedidos e a estar retornando ligações. A gravidade da situação só começou a estar se evidenciando quando o diálogo mais coloquial demonstrou estar sendo invadido inapelavelmente pelo gerundismo.

         A primeira pessoa que inventou de estar falando “Eu vou tá pensando no seu caso” sem querer acabou por estar escancarando uma porta para essa infelicidade linguística estar se instalando nas ruas e estar entrando em nossas vidas. Você certamente já deve ter estado estando a estar ouvindo coisas como “O que cê vai tá fazendo domingo?” ou “Quando que cê vai tá viajando pra praia?”, ou “Me espera, que eu vou tá te ligando assim que eu chegar em casa”.

         Deus, o que a gente pode tá fazendo pra que as pessoas tejam entendendo o que esse negócio pode tá provocando no cérebro das novas gerações?

         A única solução vai estar sendo submeter o gerundismo à mesma campanha de desmoralização à qual precisaram estar sendo expostos seus coleguinhas contagiosos, como o “a nível de”, o “enquanto”, o “pra se ter uma ideia” e outros menos votados.

         A nível de linguagem, enquanto pessoa, o que você acha de tá insistindo em tá falando desse jeito?”

 

Gerúndio x Gerundismo

 

         De tanto ouvir essas construções apresentadas no artigo, as pessoas podem deixar de usar o gerúndio quando ele seria realmente necessário, bem usado.

         O gerúndio é uma forma nominal do verbo que pode e deve ser usada para expressar uma ação em curso ou uma ação simultânea a outra, ou para exprimir a ideia de progressão indefinida. Combinado com os auxiliares ESTAR, ANDAR, IR, VIR, o gerúndio marca uma ação durativa, com aspectos diferenciados:

1) com estar, o momento é rigoroso e contínuo:

Está havendo, hoje em dia, um certo abuso…
Os preços estão subindo todos os dias.
O país está entrando numa crise sem precedentes.

2) com andar, predomina a ideia de intensidade ou movimento reiterado:

Andei buscando uma saída para a crise.
Andaram falando mal de ti.

3) com ir, a ação durativa se realiza progressivamente:

O tempo foi passando e nada de solução.
Aos poucos ela vai ganhando a confiança do patrão.

4) com vir, a ação se desenvolve gradualmente em direção à época ou ao lugar em que nos encontramos:

O livro não registra como tal expressão vem sendo usada pelos brasileiros.
A noite vai chegando de mansinho.

exercícios

 

 

Semana da Crônica….

Olá, meus cronistas! Como vocês bem sabem, estamos na semana da crônica. Acredito que todos, a essa altura, já tenham “mastigadinho” o conceito de crônica. Alguns até já tiveram a feliz oportunidade de escrever uma sobre Zilda Arns, inclusive eu. Mas aos mais esquecidinhos, gostaria de dizer, de um modo mais simples, que crônica é uma espécie de “conversa” em que o autor tenta demonstrar o seu ponto de vista. Para um conceito mais elaborado, acessem: http://oliteratico.webnode.com/cronistas. É muito importante entendermos e finalidade as características de um gênero, pois a primeira coisa que precisamos ter em vista ao produzirmos um texto é a sua estrutura, a sua “forma física”, a sua “fôrma”, ou seja, como “materializar” uma ideia, um discurso, uma informação, etc. Como discutimos em sala, a crônica não apresenta uma estrutura rígida. Felizmente! De modo que existem várias formas de “cronicar”, como é explicado no link acima. A graça do cronista está justamente na liberdade de criação, de modo que o seu samba-enredo é “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”. O difícil é quando, na hora de escrever, bate aquela perguntinha contrariante: “O que que eu faço com essa tal liberdade?”. Realmente, às vezes, pode ser mais fácil seguir uma estrutura pré-definida, de modo que a liberdade pode significar falta de parâmetros, resultando, muitas vezes, naquele branquinho básico. Então qual seria o “antídoto antibranco”? Elementar, meu caro Watson: leitura, leitura e leitura, em doses generosas. É somente o contato com diversos tipos de crônicas, de diversos autores, que vai lhes dar subsídio e segurança para escreverem textos nesse multifacetado gênero. E, para não dizerem que não falei das flores, seguem alguns endereços interessantes sobre o assunto. Vale a pena conferir!

http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/925946
http://crondia.blogspot.com/
http://www.sitedoescritor.com.br/sitedoescritor_cronica.html
http://www.pensador.info/p/cronicas_de_luiz_fernando_verissimo/1/ http://www.pensador.info/p/cronicas_de_arnaldo_jabor/1/

Conheçam alguns cronistas:
http://www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/cronicas/galeria.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_cronistas

Indico também um livro muito bom: As cem melhores crônicas brasileiras , organizado pelo cronista Joaquim Ferreira dos Santos, da Editora Objetiva. Vejam a resenha: http://www.travessa.com.br/AS_CEM_MELHORES_CRONICAS_BRASILEIRAS/artigo/9dc5b960-4b76-473f-a163-92e16264a503

Para finalizar, antes que alguém diga que o blog de Redação é um jornal, segue uma crônica (ainda fresquinha) que achei uma graça. Apreciem sem moderação e comentem com amor e zelo à língua materna. Não pisoteiem a “última flor do Lácio”!

Que lindo dia, não?

QUEM EXAMINA o embate entre aqueles que dizem que o p o d e r p ú b l i c o tem responsabilidade direta pelas enchentes e os alegam que são Pedro é o grande culpado pelas calamidades deste verão pode perder de vista a noção de que falar do tempo nem sempre foi um convite ao radicalismo. “Todo mundo fala do tempo, mas ninguém faz nada a respeito”, notava Mark Twain na virada do século 20. Ouvindo assim, a gente até diria que o autor de “As Aventuras de Tom Sawyer” é morador do Jardim Pantanal e está aguardando cadastramento da prefeitura na esperança de voltar para casa. Oscar Wilde, sempre tão em forma para colocar o dedo na ferida, parece ter pisado numa casca de banana ao discorrer sobre o tema. Dizia ele que “conversar sobre o tempo é o último refúgio para quem não tem imaginação”. Bem, nesse caso, é de admirar que entre seus conterrâneos existam nomes como Shakespeare, Newton, Blake, Turner, Darwin, Keynes e até John, Paul, George e Ringo, não é mesmo? Sim, porque os ingleses não fazem outra coisa senão tomar chá e discorrer sobre o tempo. No caso deles, falar sobre as intempéries é uma forma de não falar sobre o que interessa. Por exemplo: quando um inglês quer saber se sua mulher passou a tarde cometendo adultério com o açougueiro, em vez de perguntar diretamente: “Você está me traindo, sua cadela sem-vergonha?”, ele joga na roda alguma consideração um pouco mais amaneirada do tipo: “Que dia glorioso, não é darling?”, ao que a cara-metade é capaz de capitular e confessar tudo. Franceses não gostam de conversas muito elaboradas. Qualquer frase que inclua dois “oh-la-lás” já está de bom tamanho para eles. E falar do tempo faz parte desse menu descompromissado. Mas, por algum motivo que me escapa, eles adoram tecer considerações sobre o clima que utilizem metáforas zoológicas. Exemplos: “Il fait um froid canard” (faz um frio de pato) , “C’est um temps à pás mettre le chien dehors”( faz um tempo para não colocar o cachorro para fora) e “Mieux vaut um renard au poulailler qu’um homme em chemise em février”( mais vale uma raposa no galinheiro, do que um homem em mangas de camisa em fevereiro). Inspiro-me nos franceses para dizer que, enquanto escrevo, chovem cães e gatos lá fora. Olho pela janela e vejo a esquina da minha casa completamente inundada. Dois carros estão parados no meio da rua e uma moto forma um leque de velociraptor ao tentar contorná-los. Por conta das chuvas, as ruas de meu bairro estão mais enrugadas do que o rosto de Donatella Versace. Na semana retrasada, não consegui enviar o texto desta coluna para o jornal em função de corte de energia elétrica ocorrido depois de um temporal… E cá estou eu falando do tempo, como você e a torcida do Íbis. Falar no tempo parece que une as pessoas, não é mesmo? Ou melhor, unia. Hoje em dia, bastou alguém dizer que houve uma enchente em São Paulo para começar o jogo acusatório. Como se a culpa não fosse de todos nós, da prefeitura e são Pedro incluídos.

 (Barbara Gancia – Folha de São Paulo, 05/02/10)

 

E A PEDIDOS…

Morte e vida peregrina

Viver, promovendo a vida! Foi o que fez Zilda Arns, uma das milhares de vítimas da tragédia do Haiti. A médica e sanitarista, que se encontrava em missão humanitária naquele país, morreu perto daqueles por quem trabalhou por toda a vida: os mais necessitados. Foi pensando neles, mais especificamente naquelas que “herdarão o reino dos céus”, que a pediatra, na década de 80, aceitou o convite da CNBB para implementar junto à Igreja Católica um arrojado programa de combate à desnutrição infantil que se tornou referência no mundo todo: a Pastoral da Criança. Arrojado não apenas por sua abrangência, mas também por sua metodologia de índole humanitária, baseada na multiplicação do conhecimento e da solidariedade entre as famílias mais pobres. Por esse grande feito, Zilda Arns chegou a ser indicada, em 2004, ao Prêmio Nobel da Paz. Uma luz que se apaga! Uma chama que acende! A vida (e morte) de Zilda Arns instiga e inspira. Pensar que, numa sociedade onde o materialismo impera, surgem pessoas – como ela e seus milhares de voluntários- que se despojam do apego à matéria, despojando, muitas vezes, até de si mesmas, em prol de uma causa maior, é, pelo menos, inspirador. O exemplo dessa brava mulher nos mostra que a paz, tão almejada em escala mundial, pode ter o seu caminho trilhado em doses homeopáticas, num trabalho quase que artesanal. De porta em porta, hoje milhares de voluntários levam solidariedade e conhecimento sobre saúde, educação e cidadania a milhares de famílias. Uma verdadeira “corrente do bem”, hoje enorme, inspirada no milagre bíblico da multiplicação dos dois peixes e cinco pães que saciaram cinco mil pessoas. Multiplicação! Talvez seja essa a visão que Zilda Arns teve e que nos falta quando preferimos nos omitir, achando que nossas ações em prol da melhoria da nossa realidade surtem pouco e quase nenhum efeito. Se, inversamente, quando nossas aparentes insignificantes ações contra o meio ambiente, como lançar nele uma garrafa PET ou uma sacola plástica, em escala macro, podem levá-lo (ou nos levar) à ruina, por que pequenas ações proativas não podem melhorar nossa realidade? De muitas pétalas é feita a flor; de muitas andorinhas se faz o verão. Mas o problema é que também nos falta a ideia da soma. Preferimos o negativo: uma pétala sozinha não forma uma flor; uma andorinha só não faz verão. E assim, duvidando de nosso potencial e colocando em xeque o dos outros, cruzamos os braços e caimos no lugar-comum: a culpa é dos políticos, dos capitalistas, dos nazistas, dos facistas, dos comunistas, dos petistas e todos os “istas”. E, ao nos limitarmos a apontar e a criticar os culpados, perdemos a oportunidade de apontarmos soluções, de fazermos algo para mudar o que precisa ser mudado. E assim a gente vai levando, o tempo vai passando e as coisas, piorando! Um gerundismo que se arrasta porque nos dividimos, cada um no seu quadrado, lutando pelas nossas causas individual’istas. Zilda Arns somou esforços, multiplicou voluntários, dividiu conhecimento e diminuiu, significativamente, a desnutrição e a mortalidade infantil no Brasil e no mundo. Merece, com certeza, o título de “mulher que fez a diferença”. E nós? estamos fazendo? Inspiremos, pois, em seu exemplo de vida e em suas últimas palavras: “‘Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos’ significa trabalhar pela inclusão social, fruto da Justiça; significa não ter preconceitos, aplicar nossos melhores talentos em favor da vida plena, prioritariamente daqueles que mais necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos, servir com humildade e misericórdia, sem perder a própria identidade.”.

 (Waner Duarte)